O Narciso do Condestável D. Pedro: aegritudo amoris em metamorfose cortês
É no contexto da centena de glosas ilustrativas da sua Sátira de infelice e felice vida, espécie de novela sentimental para instrução e edificação áulica, que D. Pedro de Portugal introduz Narciso, exemplum de como “fermosura com gracia atrahen a bien e leal amar”. Apesar das frequent...
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Published: |
UA Editora
2021-12-01
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Online Access: | https://proa.ua.pt/index.php/formabreve/article/view/27094 |
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author | Maria José Ferreira Lopes |
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É no contexto da centena de glosas ilustrativas da sua Sátira de infelice e felice vida, espécie de novela sentimental para instrução e edificação áulica, que D. Pedro de Portugal introduz Narciso, exemplum de como “fermosura com gracia atrahen a bien e leal amar”. Apesar das frequentes alusões e citações das Metamorfoses de Ovídio, o episódio é adaptado ao propósito de sublinhar a aegritudo amoris do autor/narrador às mãos caprichosas de Cupido, encarnado pela insensível dama, a quem o coração tem de servir, mas a razão não pode deixar de criticar. Assim, traços fundamentais do mito e da narrativa ovidiana ficam de fora (o oráculo, a identificação com o reflexo, Eco, a flor), substituídos pela ênfase dada a elementos associados à retó- rica amorosa palaciana, herdeira do Amor Cortês. O emotivo discurso do agonizante Narciso, cuja dimensão contribui para sublinhar o isolamento egotístico do amador, aborda a beleza divina da mulher; o serviço amoroso, esgotante e nunca correspondido; a súplica à piedade e à memória da amada; o sofrimento que culmina na morte. Salvo o inusitado e impossível alvo amoroso, o jovem mítico acaba por ser enquadrado numa galeria intemporal de vítimas mas- culinas do amor que, apesar de correspondidos, se suicidaram ou foram assassinados depois de terem decidido “que mejor es prestamente morir, que largamente padesçer y penar”. A variedade nas fontes (clássicas, como Ovídio e Valério Máximo; e contemporâneas, como Juan Rodríguez del Padrón ou Alonso Fernández de Madrigal), e a peculiar forma de interpretar e adaptar os relatos míticos (evemerista, astronómica, alegórica) demonstram o quanto D. Pedro se identificava com o ponto de vista ainda medieval adoptado pelas elites cultas peninsulares de meados de Quatrocentos, em que avultavam a tendência moralizante da Ínclita Geração e o pré-Humanismo da corte de João II de Castela.
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