Ao espelho de A Noite: Narciso

Narciso garante na Mitologia e Literatura antigas uma aura de enigmática singularidade: algumas alusões esparsas a tradições locais – veiculadas entre outros pelo afã descritivo de Pausânias, Cónon, Filóstrato o Velho e Calístrato o Sofista – e corroboradas aliás pela etimologia ant...

Full description

Bibliographic Details
Main Author: Ana Paula Pinto
Format: Article
Language:English
Published: UA Editora 2021-12-01
Series:Forma Breve
Subjects:
Online Access:https://proa.ua.pt/index.php/formabreve/article/view/27121
Description
Summary:Narciso garante na Mitologia e Literatura antigas uma aura de enigmática singularidade: algumas alusões esparsas a tradições locais – veiculadas entre outros pelo afã descritivo de Pausânias, Cónon, Filóstrato o Velho e Calístrato o Sofista – e corroboradas aliás pela etimologia antiga do antropónimo, permitem supor como provável que, antes de ocorrer no enquadramento nar- rativo perfeitamente definido – e mais conhecido – das Metamorfoses de Ovídio, a narrativa já tivesse enraizadas no terreno fértil do imaginário mítico antigo algumas versões controversas. Elas não terão tido, no entanto, ao que podemos concluir pela tradição estético-literária, uma notória projecção na mundividência antiga. Obscuramente associado a outros mitos que com ele comungam traços significativos de amplo espectro simbólico (como o de outros jovens seviciados), chama a atenção, na interpretação do mito, a notação obsidiante, que a intuição dos artistas soube exaustivamente cativar no amplo arco temporal desenhado entre a Antiguidade e os nossos dias, de uma solidão intransitiva do ser diante de si mesmo, isto é, do seu próprio reflexo; a articulação poética proposta por Oví- dio entre os infortunados destinos de Eco e Narciso permitirá multiplicar essa solidão numa especularidade refractiva, que convoca simultaneamente a voz e o olhar, enquanto vectores de emissão e recepção, isto é, de comunicação. Partindo do pretexto poético oferecido pelas notações da Literatura Antiga, propomo-nos tentar a hermenêutica dos ecos simbólicos do mito, e da sua peculiar acutilância no enqua- dramento das modernas tragédias do nosso quotidiano. A esse propósito interessa-nos trazer à colação, na moldura trágica do Holocausto, uma leitura simbólica de A Noite, de Elie Wiesel.
ISSN:1645-927X
2183-4709