Summary: | Os acontecimentos que marcaram a Primavera Árabe, a partir de janeiro de 2011, inspiraram uma
série de manifestações populares em países localizados do Norte ao Sul Global. Movimentos de
protesto, de resistência e de “indignação” ocorreram em vários países com diferenciados contextos
políticos, econômicos e culturais. O espectro dos protestos atravessou o Atlântico e acampou no
coração financeiro dos Estados Unidos, Wall Street, em setembro deste mesmo ano. Mesmo as
ações do Sul (árabe) e do Norte (europeu e estadunidense) terem sido iniciadas por razões locais e
nacionais muito diversas, o fato é que os movimentos sulistas inspiraram manifestantes dos países
de capitalismo avançado. Neste sentido, a ocupação do Sul/Norte tem ocorrido desde o Sul.
Em pelo menos três continentes distintos, o ano de 2011 evidenciou as tensões e contradições
da convivência entre o capitalismo financeiro internacional e a democracia representativa. Por outro
lado, evidenciou que esta mesma democracia representativa, apesar de seus conhecidos limites, foi
pensada como um modelo alternativo para regimes historicamente fechados e não liberalizados
politicamente, particularmente nos casos do Norte da África e do Oriente Médio. Neste Zeitgeist
global dos protestos, diversos intelectuais e analistas procuram ainda compreender o significado
destes acontecimentos para a renovação da utopia, dos projetos de transformação e da crítica
radical.
Certamente, manifestações e mobilizações populares não são uma novidade histórica e
política. Entretanto, a sincronia de algumas características no âmbito das mobilizações atuais traz o
compartilhamento de alguns elementos comuns: um certo grau de espontaneidade e interreferência/influência, que não descarta ou anula a experiência e o engajamento prévios das vidas
associativas locais; o não alinhamento ou a ressignificação das noções oitocentistas europeias de
esquerda e direita; a ocupação e recuperação do potencial democrático das “ruas” como espaço
público; o protagonismo de pessoas (indignadas e insatisfeitas) e novos grupos coletivos, em
detrimento da presença de organizações tradicionais como partidos políticos, movimentos sociais e
sindicatos; uma heterodoxia em termos de performance e expressão – por exemplo, a utilização do
corpo e o ativismo sem rosto; a difusão e fragmentação das demandas que indeterminam uma noção
clara de projeto político ideológico; a utilização em larga escala das redes sociais do mundo virtual
para articulação e mobilização; a denúncia do esgotamento e dos limites do sistema político, tal
como hoje se apresenta nas democracias representativas do mundo ocidental; o questionamento da
ingerência do sistema econômico e da submissão aos interesses privados em diferentes níveis de
governo. Ainda, é importante notar inúmeros episódios de repressão violenta a estes movimentos
por parte das forças governantes.
O segundo Dossiê da Revista Sul-Americana de Ciência Política é especialmente dedicado às
análises teóricas e empíricas de movimentos de contestação que ocorreram desde a Primavera
Árabe de 2011 e que mais recentemente ocuparam também o Brasil. Este número reúne textos de
diversas orientações teórico-metodológicas, no âmbito da Ciência Política e das Relações
Internacionais. Os mesmos enfocam experiências locais, regionais, nacionais e/ou internacionais de
protestos e de ações de desobediência civil em diferentes locais do planeta.
Além disso, o leitor de RSulACP terá oportunidade de ler textos da seção de artigos livres,
que seguem logo abaixo ao Dossiê Ocupar desde o Sul.
Desejamos uma ótima leitura e inspiração!
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